Hoje ouvi um relato, na primeira pessoa, que foi o maior murro no estômago que tive.
Uma mulher que todos os dias sorri como se fosse a pessoa mais feliz do mundo, que me faz rir todas as tardes. Hoje, sem como nem porquê, confessou que é vítima de violência doméstica.
O marido quis ficar desempregado e não faz nada o dia todo a não ser beber ou ver televisão. Se ela demorar mais a ir para casa, coisa que faz pelo medo de lá chegar, ele vai a todos os cafés até a encontrar e vigiar. Obriga-a a dormir na mesma cama que ele, obriga-a a ser sua mulher. Não será isto chamado de violação?
Já lhe disse várias vezes que quer pedir o divórcio, a última vez no domingo; a resposta é sempre a mesma: ao primeiro pé que puser fora de casa para o fazer, mata-a. Deliberadamente.
Já apresentou em tempos queixa contra ele. Ficou em pena suspensa. O dia do julgamento não a matou por um triz. E ela, por medo, voltou para ele.
Agradece quando a chefe lhe pede para ir trabalhar ao sábado porque é a maneira de não estar sozinha com ele nesse dia. Porque tem medo. Está apavorada.
Disse-me que sabe que vai chegar o dia em que ou ele a mata ou ela o mata a ele. E que ela o mata primeiro. Em legítima defesa.
Ofereci-me imediatamente para ir com ela à polícia. Mas ela já não acredita na justiça. Ofereci-me para a levar a uma instituição que ajude estas vítimas. Disse que não é preciso. Que ela vai resolver o problema.
E, no fim disto, eu sei que este país é mesmo uma merda em questões destas. Só espero que não se resolvam as coisas tarde de mais.
O funeral de uma amiga de sempre de apenas 21 anos. Uma amiga que há 1ano e 9meses descobriu, por umas fortes dores de cabeça que levaram a mãe, que é enfermeira, a levá-la ao hospital, que tinha um Linfoma.
Uma amiga que durante todo este tempo fez Quimioterapia, recuperou, voltou para o Curso que estava a frequentar e que, há três meses, voltou a ter uma recaída. Deixou de responder a qualquer Quimio que fizesse, apanhou uma pneumonia que a deixou internada e já não saiu de lá com vida.
Uma amiga que até ao fim não lhe contaram a gravidade da sua situação, mas ela sabia o quão grave era. Ela sentia, com toda a certeza. Com uma força incrível e tão dela, ainda há 4dias lhe tinha mandado um SMS a perguntar como se sentia e ela tinha respondido "muito melhor!". E talvez estivesse. Durante esta semana, e talvez num último acto de rebeldia, decidiu pintar um pouco do seu pouco cabelo de cor-de-rosa, a sua cor favorita, para combinar com as suas unhas. Acabou por morrer assim, linda como só ela, toda tão delicada, mas tão arranjadinha. Quase como se soubesse...
Uma amiga que até ao fim esteve sempre a escrever, talvez com medo de se esquecer de algo. Uma amiga que começou a ter medo de ir dormir e não acordar, que se recusava a tomar comprimidos para as dores que a fizessem dormir.
Uma amiga que lutou até ao fim, mas não venceu.
Ficarão para sempre os sorrisos, as promessas, a amizade. Sentirei falta da sua alegria mas, e principalmente, do seu sorriso, que onde quer que estivesse, parecia iluminar todos à sua volta.
Ontem, quando a deixámos na "sua última morada", largámos balões, rosa e brancos, pelo céu afora. E um raio de sol surgiu tão grande que quase nos aqueceu...Talvez fosse a nossa Rita a dizer um Obrigado.
Obrigado nós Rita, pela força, pelo exemplo, pela coragem. Nunca serás esquecida, minha Ritinha! ♥
Um tio que há mais de 40anos que sofria de stress pós-traumático da Guerra do Ultramar, que nunca recuperou a vontade de viver ou a alegria de ter uma família. Um Tio que nunca teve qualquer apoio por parte o Estado Português, que foi deixado ao abandono pelo único responsável pelo seu estado.
Hoje, ele morreu. O Estado não sabe, é verdade. Mas foi ele quem o obrigou a ir, a lutar.